Sempre dignos de merecer espaço neste sítio,
os artigos do professor Tarcisio Vanderlinde, nobre
articulista que enriquece esta página, e propicia um crescente no
conhecimento dos internautas.
Um debate antigo, porém sempre instigante
volta neste início de século no livro “Conversa sobre a fé e a ciência”. O
texto organizado por Waldemar Falcão (2011) socializa diálogos sobre a
temática a partir de um encontro entre Marcelo Gleiser (físico) e Frei Betto
(teólogo). Os problematizadores são bastante conhecidos nas especificidades
que dominam. O assunto sobre o qual se debruçam constitui
interesse da literatura universal e tiveram desdobramentos inusitados
principalmente a partir da modernidade. Albert Einstein, Galileu Galilei,
Giordano Bruno, além de outros cientistas e teólogos como Martinho Lutero,
Santo Agostinho e Teilhard de Chardin, são revisitados a luz do conhecimento
científico e teológico disponível neste início de milênio.
Fé e ciência parecem convergir em muitos
momentos dos diálogos, como é o caso da concepção de mistério, aquilo que a
primeira vista não tem explicação razoável: o inexplicável. O mistério
fascina cientistas e teólogos e os motiva em suas jornadas materiais e
imateriais. Gleiser lembra que Einstein falava que a coisa mais emocionante
que uma pessoa poderia experimentar é o mistério. Ele afirmava que a ciência
se caracterizava como uma forma de devoção religiosa, no sentido de a pessoa
se dedicar a algo desconhecido: a entrega, como uma devoção que toma conta
do cientista ao não saber.
Os diálogos esclarecem equívocos presentes no
campo religioso ao discutir diversas questões relacionadas à
espiritualidade. Neste caso, nem toda religião seria necessariamente
portadora de espiritualidade. Fica evidente que religiões também servem para
atender outros propósitos. Por outro lado, as religiões são muito recentes
na história da humanidade, existindo talvez no máximo, há oito mil anos. Já
a espiritualidade teria uma
ancestralidade muito mais distante.
Em relação à questão do “dogma”, aspecto muito
presente nas religiões, Gleiser esclarece que no caso da ciência, ele não
pode persistir uma vez que no âmbito da mesma constatam-se teorias que podem
ser aceitas, mas que podem também ser questionadas, até mesmo derrubadas ou
complementadas no futuro. O que pode ocorrer é que fé e ciência podem servir
como um veículo da condição humana, de ir além, de explorar uma dimensão
desconhecida.
A ciência pode apresentar questões limitantes
ao lidar com narrativas que explicam como funciona o mundo, mas que não
apresentam respostas para questões tais como: por que o mundo funciona. Por
outro lado a religião não pode ter a pretensão de explicar o “como”. Gleiser
não vê, contudo, incompatibilidade entre espiritualidade e ciência. Uma
pessoa que se dedica toda uma vida ao estudo da natureza, é por que ele é um
apaixonado por ela. Na experiência do físico, esta seria uma relação
espiritual, mesmo que muitos cientistas não reconheçam como tal.
É curioso
observar, como os diálogos entre Gleiser, Frei
Betto e Falcão, convergem em direção às conclusões dos estudos empíricos
sistematizados por Émile Durkheim sobre o fenômeno religioso há cerca de um
século. Para Durkheim, as crenças religiosas se baseiam numa experiência
específica cujo valor demonstrativo, num certo sentido, não é inferior ao
das experiências científicas. A conclusão do sociólogo foi de que as noções
essenciais da lógica científica são de origem religiosa: a “fé na ciência”
emerge da “fé religiosa”. No início do século XXI Gleiser vê a busca pelo
conhecimento científico, como uma grande busca espiritual que segundo ele,
procura responder “anseios que estão conosco desde tempos ancestrais”.
Deliciem-se!
Autoria:
Tarcisio Vanderlinde
Publicado em 20/08/2014