Amigos!
Quando um traficante de animais silvestres
quebra o osso do peito de um passarinho para que
ele, trespassado por tamanha dor, não pie, não
se mexa, não se mova, a fim de não denunciar o
criminoso, vê-se o grau de barbárie à que está
exposto o mundo natural.
Quando um outro, com o cigarro aceso, perfura os
olhos de uma ave para que, pela manhã, pensando
que ainda é noite, ela não cante saudando o sol,
denunciando-o, vê-se que a insanidade destes
animais traficantes deve ser tratada com a mesma
severidade com que eles tratam os traficados.
Até porque, o trágico tráfico silvestre não
deita raízes apenas no que é da selva. Nos dias
atuais, ele tem conexões com o tráfico de
drogas, com a prostituição infantil, com o
tráfico de armas, com a pirataria em todos os
seus matizes, com a escravização sexual de
mulheres e com tantos outros delitos que
deixariam de cabelo em pé qualquer monge
tibetano. Tivesse ele cabelos.
O tráfico de animais é o terceiro mais lucrativo
do mundo. Movimenta 20 bilhões de dólares ao
ano. Só perde para o tráfico de drogas e o de
armas.
O Brasil, que entra com 10% desta fatia,
abastece esse mercado com 38 milhões de animais
ao ano. 40% deles são para o tráfico
internacional que, altamente sofisticado, inclui
táticas de fraudes, subornos, falsificação de
documentos, pesquisadores e cientistas.
A população pobre, das regiões Norte,
Centro-Oeste e Nordeste, é quem mais apreende
estes animais. E os vendem em feiras-livres e ao
longo das rodovias. Os receptadores estão nos
estados do Sul e Sudeste.
E, para quê?
Vendê-los em pet-shops, como bichos de
estimação; fornecê-los à indústria farmacêutica
para a pesquisa biológica e produção de
medicamentos, para colecionadores, zoológicos
ilegais; matéria prima para artesanato, para
elixires, cremes, poções e afins; e fins bem
menos nobres que as vidas que acabam por
retirar.
Uma vez mais, quem valida tal rapinagem é o
douto consumidor...
Louro canário belga, agrilhoado à parede,
pelo crime de ser canoro e passional!...
E, degredado embora, é tão alegre!... Vede:
são de ouro as penas, de ouro a voz – ouro em
geral...
Lê-se-lhe a alma, através do flébil canto, lede
bem, o seu coração apaixonado e leal!
O homem pensa que, por matar-lhe a fome e a
sede,
pode prendê-lo assim, desfazer-lhe o casal...
É um crime engaiolar os poetas espontâneos
cuja organização aparente é indefesa
à curiosa ambição da espécie racional!
É contra a integridade espiritual dos crânios
prender-se uma criatura a quem a natureza
confiou um corpo de ouro e uma alma de
cristal!...
Embora, no começo do século passado fosse
obrigação social ter passarinho na gaiola, os
versos do sergipano Hermes Fontes desbaratam a
tendência desumana de manter cativo qualquer
espécime vivo. Seu poema chama-se "O Canário".
Mas, poderia chamar-se o quati, o sabiá, a
tartaruga, o macaco-prego-do-peito-amarelo, o
bem-te-vi, o muriqui-do-norte, a ararinha azul,
o mico-leão-da-cara-preta, seu primo
mico-leão-dourado e as milhares de espécies de
vertebrados que, por não termos dado ouvidos ao
seu poema, são as vitimas deste século que já
foi vindouro.
Através delas, o tráfico reinventou-se. Hoje,
torna também cativas mulheres e crianças, nas
barras douradas de seu mundo fugaz.
O canário canta na gaiola enquanto você deixar!
Autor:
Luiz Eduardo
Cheida
Postado em 06/08/2014