Com serenidade devemos apreciar os fatos ocorridos na
França neste princípio de 2015.
Trazemos um manifesto do Professor Tarcísio Vanderlinde, costumeiro
colaborador deste sítio.
Desculpe-nos Professor pelos destaques/grifos
que inserimos, mas a intenção é de fortalecer o manifesto.
P Â N I C O
F R I O
Num pronunciamento ao lado do atual
presidente francês François Ollande, o
arquirrival político Nicolas Zarkozy, referiu-se aos
atentados contra os funcionários do
jornal Charlie Ebdo, como uma guerra
contra a civilização, e neste caso, a civilização teria obrigação
de se defender.
Entre opiniões assimiladas em várias partes do mundo, se evidenciou de
pronto um ataque ao sagrado direito da liberdade de imprensa. Mais bem
informados do que a maioria de nós, alguns poucos periodistas ousaram se
indagar se no âmbito da mídia deveria haver algum limite ético de atuação.
Quando um atentado como este ocorre numa
vitrine como
Paris, a repercussão é bem maior do que
um sequestro de meninas com motivação religiosa em lugar ermo de algum país
africano, por exemplo. Os conflitos terroristas têm na mídia um
fator potencializador dos seus objetivos. Quanto mais “espetacular” o
evento, melhor. E parece ter ficado
claro também, que nem todos estão dispostos a
tolerar sátiras que depreciem sua fé.
A “guerra contra a civilização” pode ter muitas interpretações. A história
nos ensina que a França, enquanto Estado
moderno, não atuou sempre com isenção no processo
civilizatório. Junto a outras potências europeias, contribuiu
para desenhos artificiais de Estados numa região do planeta considerada hoje
explosiva: o Oriente Médio. Sintomaticamente foi de lá que veio o comunicado
sobre a autoria do ataque.
O residual colonialista legado pelas potências europeias, associado às
interpretações religiosas particulares, tem nos levado a uma situação
descrita pelo filósofo francês Paul Virilio como
“pânico frio”: sabe-se que vai acontecer,
apenas não se sabe quando e onde.
Pode-se sentir um pouco desta sensação, cada vez que se passa pelo aparato
de segurança antes de embarcar em alguma aeronave, seja no Brasil ou em
alguma outra parte do mundo.
Por outro lado, não se pode ignorar o papel paradoxal da religião no
processo civilizatório. Violência e paz
parecem ser atributos que acompanham a
milenar história das religiões. Pela
ênfase ou manipulação de textos considerados sagrados, a religião pode
libertar ou alienar. O sociólogo e teólogo luterano
Peter Berger, um dos grandes estudiosos da religião discute isso
com muita propriedade. No ambiente de “pânico frio”
o inimigo pode morar ao lado e materializar-se em momentos
inesperados para a maioria, mas que se revela oportuno para ele.
O tipo de atentado que ocorreu em Paris passa a chamar mais atenção a partir
do momento em que o
“perigo vermelho”,
para a inteligência estadunidense,
foi substituído
pelo “perigo verde”. O primeiro perigo é uma referência aos
tempos da “guerra fria”. O “perigo verde” começou a povoar o imaginário
belicoso a partir da revolução dos Aiatolás no Irã ao final dos anos de
1970. O ambiente de “pânico frio” não deverá ser debelado tão cedo.
Há muita
história por trás desta nova realidade, e não é só religião,
embora este seja o pretexto motivador que mais aparece.
Não é demais estar atento às motivações religiosas que carregam outras
intenções e levam o ser humano a situações extremas. No ambiente de “pânico
frio”, saber mais sobre a complexidade do mundo islâmico, constatar que
a maioria
dos muçulmanos são pacíficos, ser prudente, tolerante, e
agir de
forma respeitosa com o semelhante, serão atitudes sempre bem-vindas.
É cedo para afirmar se a mega caminhada antiterror que se viu neste
domingo em Paris desencadeará o início de uma quebra de paradigma na guerra
contra o terror. Mas é preciso ter esperança.
Autor: Tarcísio
Vanderlinde em 12/01/2015
Publicado em 21/01/2015