Reflexão de Tarcísio
Vanderlinde
O
município de Marechal Cândido Rondon – oeste do Estado
do Paraná – é servido por água para o consumo doméstico
considerada de excelente qualidade. Em decorrência das
mudanças ambientais locais, implantação de agroindústrias e dos
costumes da população, constata-se que a disponibilidade de água
de boa qualidade já não é tão abundante. A luz amarela referente
à disponibilidade de “água boa” se acendeu. Uma estiagem pouco mais
prolongada costuma trazer incômodos que até pouco tempo não eram
sentidos. Quando chove regularmente o problema é logo esquecido.
Enquanto que, no Nordeste do Brasil, famílias abandonam suas
propriedades por falta de água, e, em determinadas regiões africanas
a descarga de dejetos pelo vaso sanitário passa a ter um controle
rigoroso do Estado, na cidade onde resido, constata-se uma questão
cultural preocupante em relação à utilização da água. Observam-se
pessoas que incorporaram o estranho hábito de “varrer”
frequentemente (com água), a calçada em frente as suas residências.
A incoerência extrema é que muitos adoram fazer isso durante ou após
uma chuva. Contudo, o problema não é só local.
Chamou
atenção no início de janeiro de 2013, a divulgação de
inquietante relatório de uma organização britânica que indica que
até metade de toda a comida produzida a cada ano no mundo, cerca
de dois bilhões de toneladas, vai parar no lixo. Não fosse o
desperdício de alimentos, mais de meio trilhão de metros cúbicos de
água acabam sendo desperdiçados na produção de víveres que não serão
consumidos. Algumas perdas poderiam ser contornáveis e requerem
formas mais eficientes de produção transporte e armazenamento. Atire
a primeira pedra quem na vida privada às vezes não joga um pouco de
comida fora. Contudo, no domínio de um mercado exigente, bilhões de
toneladas de alimentos são desperdiçados por não ter uma boa
“aparência comercial”. A “queima” de estoques nos supermercados
também é apontada como causa dos desperdícios. O consumidor é
estimulado a levar para casa mais do que precisa. Impressiona pensar
que sem desperdício se poderia alimentar quase o dobro da população
hoje existente no planeta. Diante do quadro, soa surreal o discurso
do avanço tecnológico que persegue sempre maior produtividade, sendo
que boa parte do “ganho” produtivo acaba no lixo. O jeito como
lidamos com a água e com o alimento se relaciona com a crise
civilizacional por nós vivida.
Ao discursar na Rio+20, José Pepe
Mujica, presidente do Uruguai, observou que a grande crise que
se vive não é ecológica, é política. É preciso consumir para manter
a economia e este consumo está agredindo o planeta. É preciso
sustentar uma “civilização” que usa e joga fora. A produção de “lixo
programado” é generalizada e atinge bens estratégicos como comida e
água. Sem lixo a economia não se “desenvolve”. Na visão do
estadista, a crise da água e do meio ambiente não são a causa. A
causa estaria no modelo de civilização que se construiu. Ao pensar
que nos tornamos prósperos, nos tornamos de fato pobres em termos
civilizacionais.
Motivado pelos ensinos dos Aymaras,
Epicuro e Sêneca, Mujica, que doa 90% do seu salário de presidente
para ONGs beneficentes e se desloca num fusca 87, lembra que
ser pobre nestes tempos de desperdícios não
é ter pouco, mas sim necessitar infinitamente muito e
desejar mais e mais. Em “Ensaio sobre a cegueira”, José Saramago
coloca na boca do, “Velho de venda preta” uma expressão oportuna
para esta reflexão: “Penso que não cegamos, penso que estamos cegos.
Cegos que vêem. Cegos que, vendo, não vêem”.
Postado em 22/02/2013, às 14:47h
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